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Capítulo 10 – O Chamado da Névoa e o Coração do Tempo

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O Bosque das Brumas estava diferente naquela manhã. Não era apenas o silêncio — era a maneira como o silêncio respirava. Como se cada partícula de ar aguardasse Elena despertar para algo que já a chamava há dias, em pequenos sinais que ela tentou ignorar.


A névoa não era neblina. Era presença.


Elena percebeu isso quando deu o primeiro passo para fora da pequena cabana onde passara a noite. A névoa se moveu ao redor dela como se a reconhecesse. Não envolveu. Não prendeu. Acolheu.


Um sussurro veio, não de longe, mas de dentro da própria bruma:


“Volte.”


Elena sabia exatamente para onde.


O coração acelerou não de medo, mas de pressentimento. Havia algo ali que ela precisava ver. Algo que não podia mais adiar.


Seguiu pela trilha, que agora parecia mais estreita, tortuosa — como se o bosque tivesse envelhecido da noite para o dia. Galhos pendiam mais baixos, folhas cintilavam com gotas de orvalho que não existiam antes. E, em meio ao estranhamento suave, uma sensação crescia no peito:


“Eu já estive aqui.” Mesmo sabendo que nunca estivera.


E então ela apareceu.


Morgana Neveflor não emergiu da névoa. A névoa se abriu para ela, como se reconhecesse sua dona.


A Guardiã ancestral trazia o mesmo manto azul profundo de sempre, mas seus olhos… seus olhos estavam diferentes. Não brilhavam com o aconchego do Corujal. Brilhavam com uma verdade antiga demais para ser suavizada.


— Você voltou — disse Morgana, com uma voz que pareceu atravessar séculos.


Elena engoliu seco.


— A névoa me chamou.


Morgana inclinou levemente a cabeça, como quem diz: então você ouviu. Um passo dela fez o próprio chão pulsar. A névoa formou um círculo, fechando as duas dentro de um espaço onde o tempo parecia hesitar.


— Há muito o que você precisa saber — continuou Morgana. — Mas antes disso… precisamos falar sobre o que você carrega aí.


O dedo da bruxa apontou para o peito de Elena.


O coração dela respondeu com um solavanco quente. Uma espécie de vibração — pequena, incômoda, familiar.


— Eu… não entendo — murmurou Elena.


Morgana sorriu. Não foi um sorriso gentil. Foi um sorriso de quem vê um segredo prestes a se manifestar.


— Você entende sim. Só não lembrou ainda.


A bruma ao redor delas começou a subir, como se estivesse sendo puxada por um fio invisível. Formou espirais lentas, hipnotizantes. Elena sentiu a pressão no ar mudar, como se o mundo respirasse mais devagar ali.


E então, Morgana estendeu a mão.


Da palma aberta surgiu uma luz pequena, dourada e pulsante. Não era exatamente uma chave. Nem exatamente um fragmento. Era… algo vivo.


— Isto — disse Morgana — é o que você deixou para trás quando atravessou o Portal do Bosque. Não porque o perdeu. Mas porque FAR só devolve aquilo que o viajante está pronta para carregar.


Elena estendeu a mão com hesitação.


Quando seus dedos tocaram a luz, algo dentro dela respondeu como uma campainha antiga sendo acionada.Um choque suave. Um calor. E uma memória que não era memória:


“Você já caminhou por este reino muito antes de lembrar dele.”


A luz se dissolveu na pele de Elena, entrando por entre o espaço dos dedos, subindo pelo braço, chegando ao coração — que bateu forte, tão forte que ela cambaleou um passo para trás.


— O que é isso? — sua voz saiu trêmula.


Morgana respondeu com calma, mas com solenidade:


— É um pedaço do Coração do Tempo. — O quê…? — O ponto onde todas as versões de você se encontram.


A brisa mudou. A névoa se adensou atrás delas, formando algo como um arco — mas um arco vivo, respirante, sussurrante.


— FAR não é um lugar, Elena — continuou Morgana. — É um espelho. Um mapa. Um organismo que responde ao que vibra dentro de você. E agora… ele está começando a responder de verdade.


Elena tocou o peito.Havia um calor ali, constante, como um segundo coração batendo em silêncio.


— Por que isso está acontecendo agora?


Morgana se aproximou, tocando-lhe o ombro com uma delicadeza que contrastava com a gravidade da revelação.


— Porque o ciclo mudou. E porque você mudou. A bruxa ergueu o queixo e encarou a névoa que vibrava ao redor: — O Reino está abrindo portas que ficaram trancadas por muito, muito tempo.


Um frio percorreu a coluna de Elena — não de medo, mas da consciência de que acabara de cruzar uma linha invisível.


— Você está dizendo… — Elena começou.


Morgana completou:


— Que não há mais volta para quem já começou a lembrar.


O arco de névoa atrás delas brilhou com uma luz azulada, profunda, infinita.


— Quando você atravessar aquilo — disse Morgana — não será mais apenas uma visitante.— O que eu vou ser? — Elena sussurrou.


Morgana sorriu novamente — agora suave, maternal, quase triste.


— Uma parte de FAR. — E por que eu preciso atravessar? — Porque o vento já te chamou. E quando o vento chama… o Norte desperta.


A névoa tremeu.Uma brisa cortou o círculo. E, pela primeira vez desde que chegara ao Reino, Elena sentiu algo observando-a — mas não com olhos. Com intenção.


O Círculo abriu caminho.


Morgana recuou um passo.


— Vá. O coração do tempo te aguarda. E o que você descobrir lá… mudará tudo.


Elena respirou fundo. Sentiu o calor no peito. E deu o passo.


A névoa se fechou atrás dela como um portal que só abre uma vez.


E assim começou a travessia em direção ao Norte — onde o vento não sopra, chama.



 
 
 

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