Capítulo 18 – O Conselho das Sombras e das Luzes
- O Batom Viajante

- 18 de dez.
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O caminho de luz que se retraçava sob seus pés guiou Elena até um vale que ela não lembrava de ter visto antes. Talvez ele não existisse antes. Talvez só surgisse para quem carregava o cerne desperto.
A neve ali era diferente. Não branca. Não dourada. Mas uma mistura das duas — como se luz e sombra tivessem se encontrado para descansar lado a lado, sem guerra, sem disputa, apenas coexistência.
O silêncio era tão profundo que parecia pulsar.
Elena tocou o peito. A vibração do cerne ainda estava ali, suave, constante, como uma lanterna interna que não tremula mais.
— Cheguei…? — ela murmurou, sem saber ao certo para onde fora conduzida.
A resposta veio do chão.
A neve se abriu ao redor dela, não para engoli-la, mas para formar um círculo perfeito — um círculo vivo, respirante. A linha luminosa que a guiara até ali se conectou com esse círculo, acendendo-o como uma runa gigante sob seus pés.
Elena deu um passo para trás, assustada, mas o vento soprou atrás dela com um toque caloroso, quase maternal.
Fique.
Ela ficou.
A luz do círculo cresceu até se tornar um anel profundo, como água líquida feita de estrela.
E a sombra, no centro… se ergueu.
Elena prendeu a respiração.
A sombra não tinha forma. Ela tremulava como fumaça, mas também tinha peso. Ela era ausência — mas uma ausência cheia.
E então… a luz se ergueu ao lado oposto.
Uma luz que não doía. Que não cegava. Que parecia reconhecer o corpo dela por dentro.
As duas presenças se encaravam.
E Elena estava entre elas.
— O que… é isso? — sua voz saiu trêmula, quase reverente.
A sombra respondeu primeiro. Não com palavras. Com sensação.
Elena sentiu algo cravar na mente: lembranças que ela nunca quis revisitar.
Momentos em que duvidou de si. Medos antigos. Histórias de dor que carregou como se fossem verdades. Silêncios onde deveria ter dito "não". Choques onde se abandonou para ser aceita. Partes de si que acreditou serem erradas, pesadas, inadequadas.
Tudo isso emergiu em ondas lentas.
A sombra não machucava. A sombra revelava.
Era a parte dela que sempre pediu para ser vista — e nunca foi.
— Eu… — Elena colocou a mão sobre o coração, sentindo o peso daquilo que sempre evitou.
— Isso tudo… sempre esteve dentro de mim?
A sombra se aproximou, e pela primeira vez, ela não recuou.
Depois, a luz falou.
Não com voz. Com calor.
Um calor que não vinha de fora, mas do interior dela — como se cada célula fosse lembrada de seu próprio brilho.
A luz trouxe outras memórias, outras partes:
A menina que sonhava alto demais. A mulher que insistia em recomeçar mesmo quando ninguém acreditava. A capacidade de amar profundamente. A coragem de seguir apesar do medo. Os instantes de alegria pura e espontânea que salvaram dias inteiros. As pequenas vitórias que ela nunca celebrou. Os dons que escondeu por não querer parecer demais.
Tudo isso também estava ali. Completo. Inteiro. Vivo.
— Isso tudo… também sou eu.
A luz pulsou em resposta.
E então Elena finalmente entendeu.
Não havia disputa. Não havia guerra. Não havia “lado certo”.
Sombras eram partes não vistas. Luzes eram partes lembradas.
Mas todas — absolutamente todas — eram partes dela.
O círculo brilhou mais forte, como se concordasse.
E foi então que ela percebeu:
O Conselho não era composto apenas de cinco Guardiões. Havia um conselho dentro de cada pessoa que chegava a FAR. Um conselho feito de todas as luzes e de todas as sombras que vivem na alma.
A voz — múltipla, profunda, uníssona — ecoou ao redor dela:
— Nenhum reino existe sem sombras. Nenhuma alma se sustenta só na luz. —
Elena sentiu as palavras reverberarem por todo seu corpo.
— O equilíbrio é o cerne. A integração, o caminho. O amor… é a ponte. —
Lágrimas preencheram seus olhos. Não eram lágrimas de dor. Eram lágrimas de reconhecimento.
Ela entendeu por que precisava chegar ali. Por que todos os encontros, todas as transformações, todas as chaves… levavam inevitavelmente para esse momento.
A sombra se moveu. E quando o fez, não era ameaça. Era convite.
Elena deu um passo em direção à escuridão. E, ao tocar aquela massa viva, sentiu algo inacreditável:
Calor.
A sombra não era fria. Não era vazia. Não era dor.
Era parte dela pedindo para ser acolhida.
Ao tocar a sombra, algo dentro dela se abriu — como um portal que aguardava há muito tempo para ser atravessado.
A luz, do outro lado, pulsou.
Elena estendeu a outra mão para ela. E quando tocou o brilho, não sentiu euforia. Sentiu paz.
A luz não era explosão. Era presença.
Entre esses dois polos — sombra e luz — Elena sentiu o corpo se aquecer, como se o próprio ar reconhecesse sua coragem.
A voz do Conselho voltou:
— Sombras guardam o que você ainda não aceitou. Luzes revelam o que você sempre soube. —
O círculo expandiu.
O ar tremeu.
E as duas presenças se aproximaram dela, até envolverem seu corpo inteiro numa espiral perfeita: luz à direita, sombra à esquerda, e Elena no centro, sustentada por ambas.
O cerne dela brilhou intensamente, como se respondesse:
agora estou completo.
E então veio a revelação:
— O cerne não é luz. O cerne não é sombra. O cerne é o espaço que acolhe as duas. —
A verdade caiu nela como neve silenciosa.
O Conselho — essa reunião das forças primordiais de FAR — não estava ali para julgá-la. Estava ali para lembrá-la que seu poder nunca foi sobre ser perfeita. Seu poder sempre foi sobre ser inteira.
O vento soprou de novo. Um vento que vinha de todos os lados. Um vento que parecia conter vozes antigas, ancestrais, guardiãs.
E pela primeira vez, Elena percebeu:
Cada Guardião que encontrou era uma faceta dela. Cada parte do Reino refletia suas partes internas.
O Conselho das Sombras e das Luzes era… ela.
Ela respirou fundo.
E o mundo respirou junto.
Quando abriu os olhos, a sombra e a luz tinham se unido numa única presença, como duas metades que reconhecem que nunca estiveram separadas.
Uma presença que se inclinou diante dela — não como mestre, mas como igual.
— Você está pronta para ver o que vem a seguir. —
O círculo dissolveu-se como poeira dourada.
A paisagem se abriu como página nova.
Elena caminhou.
Não mais como alguém que busca.
Mas como alguém que lembra.




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