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Capítulo 15 – O Guardião Invisível

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O vento de Northwind a guiara até ali — mas agora, ele estava quieto.


Quieto demais.


Era um silêncio que não parecia ausência, mas espera. Um silêncio que carregava intenção.


Elena caminhava por uma parte da montanha onde o gelo parecia suspenso no ar. Não havia som, nem trilha, nem sinal de vida. Era como andar dentro de um suspiro que não terminava nunca, um suspiro do próprio Reino.


Os flocos parados no ar davam a impressão de que o tempo segurara sua respiração junto dela.


Ela percebeu, de repente, que não havia direção.


O caminho de luz deixado por Northwind simplesmente… desaparecera. Não se apagou — sumiu. Como se nunca tivesse existido.


Seu coração acelerou em ondas, cada batimento mais alto que o anterior. Mas o ar — o ar seguia parado, imóvel, pesado como um véu que cobre algo precioso demais para ser revelado de imediato.


Northwind? — chamou, em voz insegura e pequena diante daquele vazio imenso.


Nada.


O silêncio era tão espesso que parecia uma parede que se estendia por quilômetros. Uma parede invisível — porém impenetrável.


Elena deu mais um passo. O som não ecoou. Era como se até as leis do mundo tivessem sido suspensas.


Ela respirou fundo, tentando não deixar o medo ocupar espaço demais. Mas havia algo estranho ali… uma presença difusa, sutil, que não se mostrava.


Algo que observava.


De longe. De perto. De todos os lados ao mesmo tempo.


A presença não tinha rosto. Não tinha cheiro. Não tinha forma.


Mas tinha intenção.

E ela sentiu essa intenção pressionar as bordas da sua consciência como dedos leves tocando vidro.


E então veio um movimento.


Não externo.

Interno.


Como se algo dentro dela tivesse sido mexido por uma mão invisível.


O vento tocou seu cabelo sem tocar. Uma brisa inexistente passou por sua pele.

E uma sensação tomou seu corpo:


Não estou sozinha.


Era uma certeza tão clara que quase a fez tremer.


Mas não era ameaça.

Nem proteção no sentido tradicional.

Era uma presença que parecia testar… não a força, mas a entrega.


Era como alguém dizendo, sem palavras:

O que você faz quando nada está sob seu controle?


O ar tremeu — e Elena ouviu.


Não com os ouvidos.

Com a mente.

Com o espaço entre os pensamentos.


Pare de procurar. —


A voz não tinha forma.

Não tinha timbre.

Não tinha origem.


Era como se o próprio ar tivesse decidido pensar dentro dela.


Os pelos de sua nuca se arrepiaram.Era uma sensação tão íntima que ela quase recuou.


Elena olhou em volta, girando o corpo devagar.

Mas não havia ninguém.Nenhuma sombra.

Nenhum vulto.


A brancura ao redor parecia infinita.


— Quem… está aí? — perguntou, receosa, a voz embargada pelo desconhecido.


O silêncio respondeu com mais silêncio, mas não era vazio — era cheio.

Cheio de algo que ela não compreendia.


E então, outra mensagem surgiu.

Mais leve.

Mais profunda.


O que procura não se vê.

Apenas se percebe. —


Elena engoliu em seco.

Seu corpo inteiro vibrou como se tivesse ouvido uma verdade antiga.


— Você é o Guardião Invisível?


Desta vez, não veio resposta em palavra.


Veio… sensação.


Uma onda de vento suave passou por ela, sem mover o manto, sem balançar a neve.

Como se o mundo respirasse através da pele dela.

Um arrepio subiu pela espinha, mas não era de medo — era de reconhecimento.


Era como reencontrar algo que sempre esteve ali, mas que ela ignorava.


Algo dentro dela sabia que essa presença sempre estivera ali.

Sempre.

Desde o primeiro passo em FAR.

Talvez desde antes.


A voz voltou — desta vez, mais clara, mas ainda etérea:


Você caminha para o Norte…mas continua tentando ver o caminho. —


Elena sentiu o peito apertar.

Era como se aquela frase tivesse encontrado um eco dentro de sua própria alma.


— Eu… eu não sei para onde ir.


O ar ficou mais denso.

Quase acolhedor.


Não precisa saber.

Precisa sentir. —


Aquelas palavras tocaram algo tão profundo, tão escondido, que seus olhos se encheram de água sem que ela percebesse.


Ela fechou os olhos, instintivamente.

E então percebeu: quando os olhos estavam abertos, tudo era confusão.

Quando os olhos estavam fechados, havia direção.


Era como se o mundo externo estivesse distraindo ela daquilo que realmente importava:

o movimento interno.


Uma corrente leve correu por sua mão direita, como se o vento a puxasse — não fisicamente, mas energeticamente.

Como se dissesse:confie aqui, não aí.


O vento não mostra.

Convida. —


Elena deixou a mão soltar o manto.

Soltou também a tensão dos ombros.

Soltou a necessidade de controlar.


E o vento respondeu.


Dessa vez, ela ouviu um murmúrio delicado, como suspiro entre árvores invisíveis — embora não houvesse árvores ali.


Coragem é caminhar sem ver a estrada.

Confiança é caminhar sabendo que ela surgirá. —


Uma lágrima quente deslizou por seu rosto.

Era paradoxal: no meio do gelo, sentiu calor.

Um calor que vinha de dentro, não de fora.


— O que você quer que eu faça? — perguntou, a voz baixa, quase uma súplica.


E então o vento se tornou forma.


Não forma visual — forma sensitiva.


Uma espiral de ar circulou suas pernas.

Outra passou por suas costas.

Outra tocou seu rosto com uma delicadeza assustadora.


Não era toque humano.

Nem toque de criatura.

Era toque de consciência.

Era toque de verdade.


A voz veio suave, como se flutuasse entre as camadas de neve:


Solte o medo daquilo que você não consegue controlar.

Solte… e a montanha abrirá caminho. —


Elena fechou os olhos novamente.


Respirou.


E dessa vez, sua respiração parecia sincronizar-se com a respiração da própria montanha.


Pela primeira vez desde que chegara às Montanhas da Aurora, ela não tentou decidir nada.

Não tentou prever.

Não tentou enxergar o que vinha adiante.


Ela apenas…


se entregou.


O vento subiu ao seu redor, como um abraço invisível, suave e firme ao mesmo tempo.

As pedras de gelo diante dela brilharam, e uma fenda estreita se abriu — não com força, mas com delicadeza.

Como se o mundo estivesse lhe dizendo:era só isso que faltava.


O Guardião Invisível falou uma última vez:


Caminhe.

O Norte não exige controle.

Exige confiança. —


Elena abriu os olhos.


O caminho não estava claro.

Mas estava ali.


Era como se tivesse sido desenhado no exato instante em que ela escolheu confiar.


E ela sabia exatamente para onde precisava ir — mesmo sem saber.


O vento soprou, conduzindo-a para a passagem recém-aberta.

Ele não empurrava.

Ele acompanhava.


E ela caminhou.


Porque, enfim, entendeu:


Alguns guardiões não aparecem.

Eles guiam.

E isso é infinitamente mais poderoso.

 
 
 

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