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Capítulo 7 – O Segredo da Rosa Azul

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O perfume das flores ainda pairava no ar quando Elena deixou o Jardim das Memórias. O caminho diante dela agora era uma estreita vereda coberta por névoa dourada, como se o sol estivesse preso entre véus de tempo. A cada passo, o som distante de sinos etéreos parecia responder ao ritmo do seu coração — um lembrete de que cada jornada, em FAR, era também uma travessia interior.


Ela carregava no Grimório a flor dourada que havia escolhido, guardada entre páginas que pareciam pulsar com vida própria. Às vezes, o livro vibrava, e uma fina poeira luminosa escapava das margens, como se o papel respirasse. Elena já aprendera que o Grimório não era um simples registro, mas um espelho do que florescia dentro dela.


Por isso, quando uma nova luz surgiu — uma centelha azulada que riscou o ar e pousou bem à frente, tremeluzindo sobre uma pedra coberta de musgo — ela soube que o Reino preparava outro chamado.


Aproximou-se com cuidado. Era uma pétala. Azul.


Mas não um azul comum — era o tipo de azul que desafia o olhar, um tom profundo e quase impossível, entre o céu e o oceano, como se contivesse o infinito. Elena a pegou entre os dedos e, por um instante, teve a nítida sensação de que a pétala pulsava.


O Grimório reagiu imediatamente, abrindo-se sozinho em uma página em branco. A pétala desprendeu-se de sua mão e pousou sobre o papel, fundindo-se a ele. As linhas começaram a se formar sozinhas, escritas por uma tinta invisível que só se revelava sob a luz da lua. E as palavras brilharam como um encantamento:


“Aquela que encontra a Rosa Azul, encontra o que não pode ser pedido, apenas merecido.Mas cuidado, pois o impossível não se revela sem preço.”


Elena franziu o cenho. Um arrepio percorreu sua nuca. Desde que chegara a FAR, aprendera que nada ali era literal. Cada flor, cada símbolo, cada som parecia carregado de múltiplos significados — e essa mensagem soava como um aviso.


Seguindo o rastro de luz azulada que se formou diante dela, Elena entrou em uma nova região de FAR. O ar tornou-se mais frio, o vento carregava um som distante de sussurros, e o chão era coberto por pétalas translúcidas que brilhavam sob seus passos. O lugar parecia suspenso entre o real e o sonho.


De repente, uma voz familiar ecoou, doce e firme ao mesmo tempo:


— Há quem passe a vida buscando o impossível. E há quem o viva, simplesmente por ter coragem de continuar caminhando.


Elena olhou ao redor, mas não viu ninguém. O som vinha de todos os lados, como se o próprio vento falasse. Reconheceu aquele timbre — era a voz de Morgana Neveflor.


— Morgana? — chamou, com o coração acelerado.


A névoa se moveu, e por um breve instante, uma silhueta feminina pareceu surgir entre as árvores. Mas, antes que Elena pudesse se aproximar, a figura desapareceu, deixando no ar apenas o eco de uma risada suave e um rastro de luz azul.


— Confia — sussurrou a voz, distante. — O impossível te chama pelo nome.


Elena seguiu.


O caminho a levou até uma colina coberta de flores azuis. Mas, no centro delas, erguia-se uma única rosa de cor tão intensa que parecia feita de cristal. Cada pétala emitia uma luz pulsante, e ao redor dela, o ar se distorcia, como se o tempo hesitasse em passar.


Ao se aproximar, Elena sentiu o corpo estremecer. Não era medo — era reverência. A Rosa Azul era linda, mas sua beleza era quase insuportável, como olhar para o sol de muito perto.


No mesmo instante, uma lembrança emergiu — não de FAR, mas do mundo comum. Uma lembrança de quando ainda era criança, sentada à janela em uma noite chuvosa, escrevendo em seu primeiro caderno. Lembrava-se de desejar, entre lágrimas, um lugar onde pudesse ser quem era, sem precisar se explicar. Um lugar onde a magia fosse real.


Agora, diante daquela rosa impossível, compreendeu: esse desejo antigo havia atravessado o tempo e a trouxera até ali. Era o seu chamado mais profundo, materializado em flor.


Mas ao estender a mão para tocá-la, a rosa se desfez em mil fragmentos de luz. Cada fragmento transformou-se em reflexos, e Elena se viu multiplicada — dezenas de versões de si mesma a rodeavam: criança, mulher, sonhadora, temerosa, confiante, cansada, esperançosa.


Cada reflexo sussurrava algo diferente: palavras de amor, de medo, de dúvida, de coragem. Era um coro de todas as versões de sua alma, pedindo para serem vistas.


Ela chorou.


Não por tristeza, mas por reconhecimento. Percebeu que a Rosa Azul não representava o inalcançável, mas o reencontro com tudo o que havia sido deixado para trás em nome de se tornar algo que não era.


As versões de si começaram a se aproximar. Uma a uma, tocaram-lhe o peito, e a luz azul das pétalas começou a se fundir com o dourado que emanava do Grimório. O chão vibrou levemente. O ar se preencheu com o som de sinos longínquos, como se o próprio Reino celebrasse.


Quando a última versão tocou sua mão, a rosa reapareceu — não diante dela, mas dentro do livro, impressa em tinta cintilante, viva, respirando.


Elena fechou o Grimório e sentiu o calor da rosa contra o peito. Entendeu, então, o verdadeiro presságio: o impossível não estava lá fora, estava dentro — esperando por quem tivesse coragem de lembrar-se de quem é.


O vento soprou, e a névoa se dissipou. A trilha prateada reapareceu à frente, guiando-a mais uma vez.


E enquanto caminhava, ouviu a voz de Morgana no fundo de sua mente:


— Agora sabes, Elena… o impossível só floresce quando o coração está pronto para recebê-lo.


Elena sorriu. O céu de FAR cintilava acima dela, e as pétalas azuis dançavam no ar como pequenos fragmentos de eternidade.


E, assim, sob o brilho suave da Rosa Azul, ela seguiu — não para encontrar respostas, mas para se permitir continuar perguntando.

 
 
 

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