Capítulo 9 – O Coração das Brumas
- O Batom Viajante

- 30 de out.
- 3 min de leitura
As águas do Lago dos Sonhos Silenciosos haviam desaparecido, mas o silêncio ainda a acompanhava como um manto invisível. Elena caminhava sem pressa, deixando que o som de seus próprios passos guiasse o ritmo da respiração. O ar era fresco, perfumado com algo que lembrava lavanda e chuva, e o chão sob seus pés brilhava como se estivesse coberto de pequenas estrelas adormecidas.
Desde o encontro com o Guardião dos Sonhos, algo havia mudado dentro dela. As palavras dele ecoavam em sua mente como um sussurro constante: “Que teus sonhos sejam pontes, não prisões.” E, de algum modo, ela sentia que esse seria o fio condutor de tudo o que viria a seguir.
Logo o caminho começou a se cobrir de névoa. Primeiro um véu leve, quase poético, depois uma cortina espessa, branca e viva, que a envolveu por completo. O mundo desapareceu, e Elena ficou sozinha com o som da própria respiração.
Ela tentou seguir em frente, mas cada passo parecia levá-la para o mesmo lugar. O tempo se distorceu — minutos ou horas, talvez dias. Em algum ponto, perdeu a noção do que era real e do que era sonho.
— Está perdida de novo? — disse uma voz familiar, surgindo de dentro da bruma.
Elena virou-se e viu... a si mesma.
Mas não a versão que havia se libertado no lago — esta era diferente. Vestia o mesmo manto, mas seus olhos estavam tomados por ansiedade.
— Eu… eu só quero saber para onde ir — disse Elena, tentando tocar o reflexo, mas a figura recuou.
— Sempre quer saber — respondeu a outra, com um sorriso cansado. — Planeja, prevê, calcula… e se esquece de viver o que está diante de ti.
O silêncio que se seguiu pesou. Elena sentiu as lágrimas ameaçando cair.
— Eu só tenho medo de errar.
— Errar é o caminho — respondeu a voz, suavizando. — Sonhar é correr o risco de se perder. Mas fugir do sonho é perder-se de vez.
A figura começou a se dissipar, transformando-se novamente em névoa. Elena respirou fundo e deu mais um passo à frente.
Foi então que a bruma se abriu, revelando uma nova paisagem: um campo coberto por espelhos d’água, onde cada poça refletia uma cena diferente. Em uma, ela via uma menina rindo. Em outra, uma mulher adulta chorando diante de uma página em branco. Mais adiante, ela se via dormindo, como se estivesse observando seus próprios sonhos de fora.
A sensação era vertiginosa.
Cada reflexo mostrava uma versão sua — algumas belas, outras sombrias, todas reais.
No centro do campo, uma luz dourada começou a pulsar. Elena aproximou-se, sentindo o coração acelerar. A luz se moldou em uma esfera translúcida, como um cristal vivo. Dentro dela, pequenas imagens flutuavam — recordações, fragmentos de momentos, desejos esquecidos.
Ela estendeu a mão, hesitando.
Quando tocou o cristal, uma onda de energia percorreu seu corpo.
Subitamente, ela se viu de volta ao lago, mas o reflexo agora mostrava algo novo: atrás dela, o Guardião dos Sonhos sorria.
— Achaste o Coração das Brumas — disse ele. — O ponto onde a inspiração nasce e morre. Onde toda visão precisa se dissolver para renascer mais clara.
Elena olhou ao redor. O lago parecia respirar junto com ela.
— E o que devo fazer com isso? — perguntou.
— Nada — respondeu o guardião, rindo levemente. — A inspiração não se guarda, apenas se vive. Quando tentares prendê-la, ela vira ilusão. Quando a deixares fluir, ela se tornará criação.
Ele estendeu a mão mais uma vez e tocou sua testa. Um brilho suave se espalhou por seus cabelos, e Elena sentiu uma calma profunda invadir-lhe o peito.
— Vai, Elena. — A voz dele soou distante. — Ainda há muito a descobrir. E tua jornada está apenas começando a revelar quem és.
O lago começou a desaparecer, transformando-se em partículas de luz. Elena fechou os olhos e sentiu o chão sólido sob os pés novamente. Quando os abriu, estava de volta à floresta de FAR, diante de um novo caminho — um que serpenteava entre árvores douradas e pétalas suspensas no ar.
O Grimório em suas mãos brilhou, abrindo-se sozinho.
As páginas recém-escritas diziam:
“Entre o sonho e o despertar, mora a semente do verdadeiro poder.”
Elena sorriu.
E seguiu pela trilha dourada, sentindo que o Reino — e ela mesma — começavam, enfim, a respirar o mesmo ar.





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